Nesse artigo, vamos explorar os impactos da moradia estudantil na formação dos estudantes universitários tendo em vista que as diversas experiências no cotidiano desses jovens influenciam diretamente a sua formação.
Impacto da moradia estudantil na formação acadêmica
Além das atividades obrigatórias, como aquelas em sala de aula, laboratórios, estágios e outras, o estudante tem, na universidade, a oportunidade de experimentar diversas situações que podem contribuir com sua formação acadêmica: as interações com os colegas e com professores, as atividades sociais, o envolvimento com organizações estudantis, trabalhos voluntários, participação em modalidades esportivas e muito mais.
A literatura disponível nos permite concluir que a função educativa das universidades inclui o currículo acadêmico formal e a vida extracurricular de uma comunidade acadêmica, com a finalidade de contribuir para que os estudantes possam se desenvolver como pessoas em três aspectos: cognitivo, afetivo e na competência prática. Desse modo, entende-se que a educação superior deve ser abrangente e levar em conta as ações educativas que considerem o estudante como sujeito, e também ao conjunto de experiências, sejam aquelas incluídas no currículo formal, sejam as experiências extracurriculares que o ambiente acadêmico pode propiciar.
Estudos sobre a vida universitária
Os autores americanos Ernest T. Pascarella e Patrick T. Terenzini divulgaram uma síntese de pesquisas em um livro intitulado How College Affects Students baseado numa revisão de literatura que abrangeu cerca de 2500 estudos; levantamento e discussão das principais teorias adotadas, com o propósito de responder qual o impacto das universidades sobre o desenvolvimento e a aprendizagem dos estudantes.
Os autores apontam as diversas mudanças e sua extensão que ocorrem no estudante durante o período em que frequentam a universidade. Essas mudanças são mais extensivas e consistentes no processo de desenvolvimento da aprendizagem, da cognição, do raciocínio, do desenvolvimento moral e também dos aspectos relacionados à carreira e ao retorno econômico.
Aqui no Brasil, os trabalhos sobre a variedade de experiências acadêmicas que os estudantes vivenciam nos anos de graduação são escassos. Dos estudos realizados até o momento, alguns resultados têm revelado certa convergência com as conclusões baseadas na produção norte-americana e têm realçado a importância das experiências, nos anos de formação dos estudantes. A literatura nacional disponível aponta que atividades fora da sala de aula complementam o conjunto de experiências componentes do currículo, como as interações ocorridas entre o estudante e seus colegas e entre estudantes e professores, fora do espaço da sala de aula; a participação em atividades esportivas, recreativas e culturais; a frequência aos demais espaços universitários; e a convivência com os colegas ao residir em uma moradia estudantil.
Os estudos encontrados, identificam como expectativas em relação à vida universitária desses estudantes o
“[…] desejo de crescimento pessoal, as perspectivas quanto à diversidade de atividades curriculares e extracurriculares (eventos, congressos, estágios, música, teatro, encontros, festas), e à diversidade de relacionamentos pessoais”.
Pesquisa em território nacional
Em outra pesquisa realizada com 87 estudantes de uma universidade particular no interior do Estado de São Paulo, Capovilla e Santos (2001) tinham como objetivo identificar a frequência de participação daqueles estudantes em atividades denominadas pelas autoras de atividades extra classes, bem como avaliar a influência de tais atividades em seu desenvolvimento pessoal. As principais atividades extra classes identificadas foram:
- conversar com os professores em espaço extraclasse, que apontou uma maior frequência (97,7%);
- em seguida, os estágios na área profissional (80,5%),
- morar em residência estudantil (69,0%)
- e participação em atividades voluntárias (63,2%).
Foi identificada, ainda, a participação em projetos de pesquisa e em clubes e organizações estudantis.
De acordo com os resultados dessa pesquisa, a influência dessas atividades é maior nas seguintes áreas de desenvolvimento: altruísmo, autoconfiança, aplicação de conhecimentos, autonomia, noção de propósito, raciocínio reflexivo, competência social, competência vocacional e aquisição de conhecimento. Observa-se que a diversidade de experiências identificadas no estudo acarretou mudanças também variadas nos aspectos cognitivos, afetivos, sociais e comportamentais dos sujeitos.
Moradia estudantil no Brasil e nos EUA
A moradia estudantil no Brasil, até então, foi desenvolvida quase exclusivamente pelas universidades públicas, dentro de um programa de assistencialismo, muitas vezes mal geridas e mantidas em condições inadequadas. Este cenário difere das universidades americanas, onde os Residence Halls tiveram um desenvolvimento massivo, a partir do Housing Act em 1950, que favoreceu o crescimento acelerado do desenvolvimento desses empreendimentos.
Foi a partir dos anos 1990 que o cenário da educação superior norte-americana colocou a aprendizagem dos estudantes como um imperativo à compreensão de que o conhecimento torna-se imprescindível ante as questões atuais. Nesse sentido, foram pensadas estratégias que englobassem a contribuição dos diversos ambientes institucionais no processo de desenvolvimento e aprendizagem dos estudantes. Ou seja, houve um resgate do entendimento sobre as tarefas dentro e fora das classes como atividades complementares. Dessa forma, o ambiente dos residence halls foi posto como um dos espaços que podem enriquecer a formação dos estudantes. Evocou-se, naquele momento, a concepção originalmente formulada: a crença fundamental na importância da educação sobre o estudante como um todo e o entendimento de que, para realizar essa meta, instituições devem encontrar muitas maneiras para unir oportunidades de aprendizagem extraclasse ao currículo.
Como se vê, a educação superior nos Estados Unidos tem considerado o ambiente da moradia estudantil como um espaço fomentador de experiências, as quais contribuem na formação de seus estudantes. Olhando para trás, vemos evidências de que a intenção de integrar espaço de moradia e ambiente de aprendizagem persiste desde o início de sua implantação até os dias atuais, onde muitas universidades americanas possuem como condição mandatória, que os alunos do 1º ano (e algumas até mesmo do 2º ano) residam nas moradias estudantis dentro do campus.
Porque os estudantes saem de casa para estudar?
Inúmeros estudantes brasileiros deixam sua cidade natal para ingressar na universidade. Os motivos para essa mudança são os mais diversos: a inexistência de instituições desse nível de ensino nos locais onde vivem os estudantes, a procura de um curso específico desejado ou de uma instituição em particular, a possibilidade de conciliar o processo de formação com outras atividades, como, por exemplo, uma ocupação profissional. Deslocam-se, ainda, para aproveitar as facilidades que a localidade escolhida oferece ou os convênios estabelecidos entre instituições de ensino, os quais permitem mobilidade no processo de formação entre seus integrantes, ou, ainda, para fazer uma pós graduação específica. Para tanto, um desafio se apresenta: onde morar.
Assim como variam as justificativas para a migração dos estudantes durante o período universitário, a diversidade de situações de moradia entre essa população que se desloca é muito grande e ainda pouco investigada no país. Existem aqueles estudantes que tomam a responsabilidade e os custos com a moradia durante os anos de formação. Nesse caso, o estudante ou seus familiares, parentes e outros assumem tais custos. Para essas pessoas, geralmente a solução é o aluguel ou a compra de imóvel.
Há também outras opções como hospedagem em hotéis, flats, pensionatos ou repúblicas, ou viver temporariamente com parentes ou amigos etc. No caso de pensionatos e repúblicas estudantis, comumente eles são organizados de forma diversificada: alguns recebem estudantes apenas do sexo masculino, outros são voltados para o sexo feminino e existem aqueles que são mistos.
Student Housing no Brasil
Felizmente esse cenário está mudando com a chegada de empresas especializadas no desenvolvimento de empreendimentos voltados para moradia estudantil, chamados de student housing ou residenciais estudantis, criando vínculo com as universidades, possibilitando assim uma conexão entre a vida no campus e o local de moradia, potencializando a formação e a experiência universitária. Um exemplo é a Uliving, pioneira no setor no Brasil, que recentemente fechou uma parceria com a Ânima Educação, um dos maiores grupos educacionais do país, com intuito de desenvolver edifícios de residência estudantil para serem ofertados aos seus alunos, em espaços que serão uma extensão da vida universitária. A ideia do projeto é oferecer programas específicos desenvolvidos entre as empresas que favorecem a formação mais abrangente e holística durante toda a fase de desenvolvimento dos alunos.
Como conclusão, a experiência de viver em uma moradia estudantil contribui para o enriquecimento da formação integral do estudante da educação superior, e deve ser considerado como assunto relevante pelas instituições de ensino superior, que buscam hoje aprimorar seus currículos e oferecer sempre um ensino de alta qualidade, pois esses ambientes proporcionam o desenvolvimento de habilidades comportamentais (soft skills), requisitos importantes hoje para o sucesso profissional, e extremamente valorizados e procurados pelas empresas, como relacionamentos interpessoais, inteligência emocional, comunicação, capacidade de negociação, adaptabilidade e resolução de problemas, tornando as moradias um verdadeiro laboratório para desenvolvimento das soft skills.